É necessário lembrar-se do jardim

É necessário lembrar-se do jardim

Photo by Cassidy Phillips on Unsplash


A imagem do jardim aparece em diversas passagens bíblicas. Muitas vezes em seu sentido literal, outras em seu sentindo simbólico. Talvez, a passagem mais conhecida seja a de Gênesis, em seus primeiros capítulos quando no mito da criação Deus cria o ser humano e o coloca no jardim do Éden, para que possam cuidar dele e, dele, tirar também o seu sustento.

Que esse lindo símbolo de um ser humano que é criado como jardineiro, se bem compreendido, leva-nos a pensar o cuidado que se deve ter para com toda a natureza deveria ser claro para todos e todas. No entanto, diversas leituras posteriores desse texto viram na ordem de Javé a incitação ao domínio e não à mordomia e à jardinagem, o que fez com que o ser humano fosse entendido como aquele que teria salvo-conduto para retirar da natureza tudo que ela tinha a oferecer.

A partir da Modernidade essa perspectiva se torna ainda mais forte e as revoluções industriais, bem como posteriormente o desenvolvimento do capitalismo, fez com que a natureza fosse vista somente como fonte inesgotável de recursos que poderia ser minada sem dó nem piedade para satisfazer os desejos de produção que não podiam parar.

As consequências de tais interpretações errôneas do texto bíblico podem ser sentidas por todas as pessoas hoje. O famoso relógio do fim do mundo, relógio simbólico que é mantido pela Universidade de Chicago, já aponta que há somente 100 segundos para o fim da humanidade causado por uma guerra nuclear, que é uma das diversas consequências desse tipo de visão distorcia da natureza. Em síntese, já há muito tempo temos a condição de nos autodestruir.

No entanto, outras leituras a respeito do jardim são possíveis. O próprio Moltmann, em sua última obra dedicada a uma teologia da vida, em continuidade com sua pneumatologia integral, ressalta o fato de que de acordo com o mito da criação de Gênesis, o ser humano é o último ser criado justamente por ser o mais dependente de todos. Em outras palavras, a natureza sobrevive sem nós; nós, do contrário, não sobrevivemos sem ela. Dessa forma, longe de sermos os todo-poderosos da criação, somos, dentro da dinâmica de toda a vida, os seres mais frágeis de toda essa cadeia, o que deve fazer com que voltemos nosso olhar para a natureza reconhecendo o motivo pelo qual fomos postos nesse jardim, a saber, para cuidar e zelar por ele, visto que este ser criação de Deus, nosso lar e dele dependemos para sobreviver enquanto humanidade.

Quando trazemos o símbolo do jardim para o âmbito pessoal e relacional também é possível fazer alguns apontamentos. Toda pessoa que já cuidou de um jardim sabe o quão trabalhoso é. Afinal, é necessário regar as plantas todo dia, verificar se a terra está em boa condição, retirar possíveis ervas daninhas que podem surgir e que atrapalha o crescimento das flores. Da mesma forma, cercar para que animais não destruam aquilo que está nascendo, visto que toda planta tem sua fragilidade, dentre tantos outros cuidados que poderiam ser listados.

Em outras palavras, o que faz um jardim permanecer bonito, bem nutrido e florescendo é o tempo que se gasta cuidando dele, buscando os melhores produtos e as melhores formas de cultivar aquilo que foi colocado em nossa mão. Dessa forma, qualquer relacionamento, seja com Deus, seja consigo mesmo, seja com outras pessoas, só floresce e se torna belo quando os cuidados necessários para tal são tomados de maneira rotineira e constante. Ou seja, é necessário fazer do cuidado do jardim um modo de vida.

Com tudo isso em mente, é possível perceber quão rico o símbolo do jardim se mostra. Seja no cuidado da natureza, seja no cuidado consigo, seja no cuidado nas relações interpessoais e com Deus, ter em mente que se está em um jardim pode nos ajudar a nos tornarmos aquilo para o qual fomos criados: sermos jardineiros.

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