Um Jesus para chamar de seu

Um Jesus para chamar de seu

Photo by Mahsa Frn on Unsplash


A qual Jesus seguimos? Essa pergunta pode parecer um tanto quanto sem sentido. Afinal, qualquer pessoa que se diz cristã tende a afirmar que segue ao Jesus que foi considerado Cristo no Novo Testamento, o Filho de Deus, crucificado e ressuscitado pelo Pai no terceiro dia.

Dogmaticamente, a resposta está corretíssima. Mas, será que o seguimento que se faz é desse Jesus que foi crucificado e ressuscitado, que andou por toda parte fazendo o bem e libertando os que eram oprimidos pelo diabo, como afirma Pedro no livro de Atos, ou de um Jesus que foi transformado num senhor que está acima de todos e, portanto, condena aos que não o obedecem? Ou ainda, alguma outra modalidade de Jesus que se adequa melhor aos anseios de cada um?

Ao longo da história do cristianismo, diversas imagens de Jesus foram criadas. Com o passar do tempo, quanto mais afastado do contato real com a personagem histórica Jesus de Nazaré, ou até mesmo com os apóstolos que viveram com Jesus, mais essa imagem foi sendo distorcida, chegando a um ponto, principalmente no século XVIII, de se desconfiar do que era falado de Jesus pela Igreja, uma vez que tal discurso não se coadunava com os Evangelhos. As buscas do Jesus histórico começam de maneira mais sistemática com os trabalhos de Reimarus a partir dessa inquietação.

Ainda em nossos dias é possível perceber que são diversas as imagens de Jesus. Há um leque de possibilidades para que cada pessoa escolha qual Jesus deseja seguir. Bem na linha de um capitalismo feroz, também o seguimento de Jesus entrou em oferta. Há um Jesus próprio para cada pessoa, que se adequa perfeitamente ao tipo de vida que tal pessoa deseja ter.

Se determinada pessoa acredita que não há nenhum problema em acumular diversas riquezas na terra, não se importando com seu próximo, ou até mesmo, sonegando imposto, desobedecendo as leis, a fim de lucrar mais, há diversos discursos que se dizem cristãos que adequam Jesus a esse tipo de pessoa. Basta olhar os teólogos e teólogas da prosperidade, que justificam os resultados financeiros desses tipos de conduta como sendo a benção de Deus que alcança os que devolvem o dízimo.

Ainda, se determinada pessoa deseja um Jesus miliciano, que toma em armas, incentiva que elas sejam usadas para “promover segurança”, destrua terreiros e lugares de cultos de religiões de matrizes africanas por considerar “lugares satânicos”, também essa pessoa encontrará uma teologia que atenda a isso. Basta olhar a modalidade dos traficantes evangélicos, ou dos milicianos que se batizam no Jordão, ou de pastores que chamam jovens para “fazer a obra do Senhor” contra os terreiros, ou ainda, aqueles e aquelas que pegam o texto que Jesus fala para pegar uma espada e usa isso como justificativa para armar a população.

Esses pequenos exemplos mostram que é possível falar que se segue a Jesus de Nazaré sendo que, na verdade, somente o adequa ao modo de vida que se deseja ter. No entanto, se voltarmos aos Evangelhos, em sua mensagem central (porque, nesse caso, mesmo apresentando perspectivas diferentes, todos são unânimes no ponto central da mensagem de Jesus) percebermos que não é Jesus que se adequava ao modo de vida dos que vinham a ele, mas era demandado do que desejava segui-lo que se adequasse ao modo de vida de Jesus.

Que modo de vida era esse? Do amor ao próximo, da busca do bem, da não violência, da abertura ao diferente, da não perseguição aos que criam de outra maneira, da não hipocrisia etc. Em outras palavras, o modo de vida de Jesus era o amor sem medida que leva, necessariamente, à denúncia das estruturas de morte que persistem na sociedade, e não raras as vezes, à morte daqueles e daquelas que lutam pela justiça. A crucificação de Jesus, portanto, é resultado de sua vida de amor e luta contra um Império opressor. Como consequência, morreu como bandido aos olhos desse Império. Deus, porém, o ressuscitou dentre os mortos, confirmando que a morte não tem a última palavra, ao mesmo tempo, confirmando que a vida de Jesus é a vida desejada por Deus para nós.

Diante disso, a pergunta: “a qual Jesus seguimos?” deve ser respondida diariamente. Se simplesmente adequamos Jesus ao nosso modo de vida, então não somos nós que o seguimos, mas ele que nos segue.

Seguir a Jesus não é o pertencimento a um clube, mas um compromisso de vida de denunciar e lutar contra as estruturas de morte que persistem em nosso mundo. Sem isso, Jesus se tornou somente mais um produto, dentre tantos que consumimos atualmente.

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