Jesus me ama. A Bíblia assim me diz. E daí?

Jesus me ama. A Bíblia assim me diz. E daí?

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Jesus me ama, sim Jesus me ama. Jesus me ama. A Bíblia assim me diz

 Esse é uma música infantil com a qual cresci. Era comum ouvi-la nas escolas dominicais ou escola bíblica de férias, que todo ano se costumava ter na igreja na qual passei toda minha infância e adolescência. A mensagem da canção é bastante clara e reflete um dos pontos fulcrais da mensagem missionária: de que Deus, por meio de Jesus Cristo, mostra seu amor por nós em sua forma mais radical, que é a pura entrega em favor daqueles e daquelas a quem ama.

Embora isso seja amplamente divulgado, ainda é muito comum ouvir mensagens que, partindo dessa premissa, pregam algo totalmente diverso desse amor oferecido por Deus. No lugar, geralmente se colocam as normas, as doutrinas, as listas de pode ou não pode, como se esse amor tivesse que ser, de alguma forma, conquistado por aqueles e aquelas que desejam seguir o caminho de Jesus. A boa nova anunciada nos Evangelhos é transformada justamente naquilo que o próprio Jesus combatia, a saber, o rigorismo da letra da lei, a ideia de que por meio do cumprimento dos rituais de purificação e das normas da Torá seria possível ser digno de Deus e receber seu favor. Em outras palavras, a ideia de que haveria filhos e filhas preferidas por Deus e que esses eram mensurados de acordo com sua obediência aos mandamentos que havia naquela época.

Hoje, claramente, não é mais a Torá que é anunciada e colocada como empecilho para se achegar a Deus em nossa sociedade. No lugar dela, como dissemos, entraram os dogmatismos que se colocam como barreiras contra a aproximação da pessoa e o divino. Muitas denominações e também líderes religiosos se tornaram pedágios celestiais nos dois sentidos que esse termo pode aludir: tanto no que concerne a cobrar para liberar o acesso a Deus, quanto no de se colocar como local de passagem obrigatória, caso se queira desenvolver algum tipo de relacionamento com Jesus Cristo. Fazendo isso, colocam-se como dificultadores quando deveriam se mostrar como facilitadores para a compreensão e acesso ao Reino de Deus.

Porém, há ainda a outra face da moeda. Ao mesmo tempo em que se faz presente essa espécie de nova classe farisaica nas instituições religiosas cristãs, também se percebe aqueles e aquelas que tratam de maneira leviana a mensagem do amor de Jesus, apelando para, na linguagem de Bonhoeffer, uma graça barata. Ou seja, passam a ver o amor de Deus como algo simplório, medíocre e tratá-lo como coisa do cotidiano, daquele tipo que pode ser oferecido por qualquer ser humano.

Com isso, tais pessoas não conseguem compreender as grandes implicações éticas e morais que aceitar tal amor traz a todo ser humano que opta pelo caminho de Jesus Cristo. O mandamento de amar uns aos outros e aos inimigos para que o mundo reconheça quem são os discípulos e discípulas de Jesus é totalmente deixado de lado, de maneira que apoiar governos que oprimem os mais pobres e se dizer cristão é visto como normal, ou ainda enaltecer posturas racistas, homofóbicas, violentas e discriminatórias não são consideradas como contrárias à fé cristã ou ao ensinamento de Jesus.

Tais pessoas (diversas dessas que aprenderam desde a infância a música com a qual esse artigo começa) afirmam somente “Jesus me ama” e “Jesus te ama” sem se atentar que tal amor só se manifesta em ações concretas na direção do próximo, nunca de maneira meramente etérea e desprovida de efetividade.

Dessa forma, dizer que a Bíblia me ensina que Jesus me ama sem a prática efetiva desse amor na sociedade em que estamos inseridos, principalmente aos discriminados e que estão à margem dela, não passa de mero ritmo, podendo a letra dessa canção infantil ser substituída por qualquer outra.

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