Pensar uma Teologia do acolhimento virtual: desafios para tempos de pandemia e pós-pandemia

Pensar uma Teologia do acolhimento virtual: desafios para tempos de pandemia e pós-pandemia

Imagem de Harri Vick por Pixabay 

Vivemos tempos novos. Tristes, mas mesmo assim, novos. Essa nova realidade que se manifesta hoje na vida cotidiana ao redor do mundo é algo que nunca passamos e, por isso mesmo, tudo parece diferente, assustador, temeroso. São diversos os setores sociais que estão se adaptando a essa nova realidade. As dinâmicas de trabalho, de ensino e de relacionamentos têm sido reelaboradas por diversas pessoas para que possam dar conta de cumprir os prazos de trabalho, as agendas de escritas acadêmicas, bem como manter de alguma forma saudáveis os relacionamentos amorosos e de amizades.

Toda essa nova dinâmica que demanda uma nova forma de vida traz consigo os grandes desafios. Toda nova época é assim. Basta que nos lembremos das aulas de história que tivemos ao longo de nossos estudos para perceber que todo período crítico na sociedade gera novas formas de se pensar a relação entre nós e o mundo.

Da mesma forma, a teologia não está alheia a isso. Toda teologia é também fruto de seu próprio tempo. A ideia de uma teologia que existe nos céus e que de lá desce para a Terra e serve para todos os momentos da história é fantasiosa e, não raras vezes, desonesta. Uma simples leitura do texto bíblico deixa isso bem claro. Como conciliar a teologia da retribuição dos amigos de Jó com aquilo que diz o Eclesiastes? Ou ainda, como relacionar a imagem do Deus da aliança das bênçãos e maldições de Deuteronômio com os ensinamentos de Jesus de que aos pobres que se revela o Reino de Deus?

Se para além do texto bíblico, levarmos em conta a história do cristianismo isso se mostra ainda mais gritante: quem, ainda hoje, acharia razoável que as mulheres ficassem caladas nas reuniões cristãs e, caso houvesse dúvidas, perguntassem a seus maridos, como afirma o texto de Coríntios? Ou ainda, quem hoje acharia correto ter na família uma pessoa escrava, tal como fala o texto de Efésios?

Com isso em mente, é preciso ter consciência de que novos tempos demandam novas teologias. Isso não quer dizer jogar tudo o que se tem fora, mas, a partir do que se tem e a partir das novas realidades, propor teologias e interpretações da mensagem bíblica que façam sentido para o tempo presente, e alcancem os corações de homens e mulheres que na situação atual se perguntam “onde está Deus”?

Diante disso, faz-se necessário pensar novas teologias para o tempo de pandemia e também para o tempo de pós-pandemia; teologias que deem conta de pensar um ser humano que teve que se isolar para que a sociedade não sucumbisse ao desastre como aconteceu em alguns países e, ao mesmo tempo, pensar uma relação desse ser humano com Deus para além da liturgia dos templos, que se faz no íntimo de cada lar e juntamente com uma comunidade virtualizada, sem deixar de ser real e em comunhão com os membros dessa mesma comunidade.  

Em outras palavras, será necessária pensar uma teologia do acolhimento virtual-tecnológico, na qual ao mesmo tempo em que essas pessoas se sintam acolhidas existencialmente em suas dificuldades e dramas causados pelos períodos de isolamento social, também possam reconhecer que Deus não se faz longe, mas perto e dentro de toda pessoa que crer, dando forças para continuar na caminhada, em esperança de que apesar das dificuldades Ele não nos deixa desamparados.

Esse acolhimento, todavia, não deve ser pensado somente em seu uso corriqueiro e muitas vezes simplista de meramente auxiliar financeiramente outras pessoas ou levá-las para casas onde pessoas cuidam delas. Muito além disso, deve ser um acolhimento disposto a ouvir, compreender, e tentar entrar no mundo do outro para, a partir daí, providenciar uma palavra que possa tocá-lo e gerar vida ao ser ouvida, mesmo que de maneira virtual e distante fisicamente.

Consequentemente, isso implica também um novo vocabulário teológico, que dê conta de alcançar uma nova geração que já nasceu dentro das vivências virtuais e tecnológicas, às quais nós estamos entrando nesse momento. Para esses, por exemplo, acredito que faça mais sentido entender a relação entre Pai e Filho da teologia cristã a partir do conceito de herança numa programação orientada a objeto a entender o que vem a ser a consubstancialidade do século IV da era comum.

Esse triplo movimento de ressignificar, traduzir e criar novos termos e teologias de maneira que possam fazer sentido para uma sociedade em e pós-pandemia é, talvez, um dos maiores desafios de teólogos e teólogas de nossos dias e dos próximos que virão.

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