Deus não é triunfalista

Deus não é triunfalista

Imagem de Annie Spratt por Pixabay
Talvez nada seja mais desafiador para as igrejas de viés triunfalistas do que a sensação de medo e temor que o cenário atual oferece. Afinal, todo discurso que parte de certo triunfalismo tem a certeza da vitória e da conquista iminente frente a qualquer situação adversa. Diante da presente situação em que nos encontramos, com uma pandemia rondando o mundo e gerando muitos mortos diariamente, não é de se espantar que as falas triunfantes de pastores entusiasmados com certo poder espiritual cresçam vertiginosamente. Qualquer pessoa já deve ter visto algum vídeo de algum pastor ou pastora expulsando o vírus de determinada nação, ou ainda falando da necessidade das pessoas orarem e jejuarem em prol dessa situação, atribuindo este mal a algum pecado praticado. Alguns chegam a afirmar que Deus permite com que esta doença venha sobre a terra como uma forma de demonstrar o seu amor, ainda que pela dor, de maneira que tal sofrimento gerado faça com que as pessoas o temam, conheçam-no e se voltem para aquilo que é definido como “sua vontade” por esses líderes.
Que isso seja um nonsense absoluto deveria ser claro para qualquer pessoa cristã que se baseia no exemplo de Jesus de Nazaré. Este, longe de corroborar a visão judaica de sua época que afirmava um Deus que punia os maus e recompensava os bons, afirma um Deus que é Pai de todos e todas, que faz seu sol nascer e sua chuva cair sobre maus e bons, que perdoa e cura os perdidos, e que não tem prazer na morte de ninguém justamente por ser um Deus de vida.
Da mesma forma, ao voltarmos para o texto bíblico é comum nos depararmos com situações de medo. Seja no Antigo ou no Novo Testamento são diversos os relatos de pessoas chamadas por Deus que tiveram medo em determinada situação. Não nos falta exemplos, tais como Elias, Gideão, Jeremias, Davi, Isaías, Pedro, João, Tiago, dentre tantos outros que poderíamos citar que corroboram esse fato da vida humana que é o sentir-se apavorado e temeroso diante de determinada situação que nos foge ao controle.
Algo importante que precisa ser lembrado é que em todos esses exemplos, as palavras de Deus sempre foram “não temas”. Em outras palavras, o medo nunca foi algo condenado por Deus. Muito pelo contrário, em todos os relatos bíblicos Ele sempre se mostra como aquele que entende a situação de temor e medo e, diante dela, traz a paz, o conforto e a mensagem de que não estamos sozinhos, nem desamparados e que, por isso mesmo, devemos continuar a caminhada por mais difícil que seja. Mostra-nos que, como afirma João, “o verdadeiro amor lança fora todo o medo” (I João 4,18).
Ao mesmo tempo, em nenhum momento é possível perceber um discurso triunfalista da parte de Deus ou de seus enviados. No lugar do triunfalismo irresponsável o que aparece é a mensagem de esperança que nos lembra de que Ele entende o sofrimento pelo qual passamos e, mais ainda, está caminhando e sofrendo conosco, auxiliando-nos a passar por ele. Compreendendo dessa forma, as falas de Jesus que afirmam que “no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo porque eu venci o mundo” (João 16,33), e que diz “eis que estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos” (Mateus 28,20) revelam não um Deus de fora e transcendente que pode destruir os inimigos a qualquer hora e não o faz para ensinar algo aos que não o ouvem, mas sim um Deus que caminha com a humanidade pelos desertos pelos quais ela passa, dando conforto e esperança nos momentos de crise. Lembra-nos de que por meio da ressurreição de Cristo a mensagem que temos é de que a morte não tem a última palavra sobre a vida.
Diante de um triunfalismo barato e irresponsável que tem levado pessoas a morte por expô-las a um vírus mortal, é importante lembrar-se do Deus da esperança anunciado no texto bíblico, aquele que entende o temor pelo qual passamos e, caminhando conosco, motiva-nos a continuar na caminhada por mais difícil que possa parecer, sabedores de que sua presença é capaz de expurgar o medo que insiste em nos atemorizar em momentos de crise.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *