Relembrar a esperança: uma tarefa para tempos sombrios

Relembrar a esperança: uma tarefa para tempos sombrios


Em tempos tão conturbados como o que presenciamos em nosso país hoje, com o aumento a violência, o crescimento dos empregos informais, a quarteirização da força de trabalho, a corrupção que atinge o judiciário, a diminuição de direitos que atinge principalmente a parcela mais pobre a população do país, a desvalorização da moeda e do prestígio que o país demorou tanto tempo a conquistar, dentre tantas outras mazelas que temos visto no cenário atual, torna-se salutar relembrar uma verdade teologal da teologia cristã: a esperança.
O texto bíblico, desde o Antigo Testamento, mostra que a esperança se faz presente nas diversas narrativas do povo hebreu. Essa esperança, que sempre foi baseada na fé de que Deus era aquele que prometia e cumpria as suas promessas, deve se apresentar para nós hoje como importante chave de leitura caso queiramos compreender melhor a fé do povo de Israel.
O êxodo, evento marcante para a comunidade judaica, relembrado até o dia de hoje, pode ser lido como base da esperança do povo de Israel. A narrativa conta que o povo, crendo que Deus enviara Moisés para o libertar da escravidão do Egito, segue com ele pelo deserto, na esperança de habitar a terra de Canaã, porque crê que aquele que fez a promessa é poderoso para cumprir. Os sinais feitos para com Faraó e sua terra eram os indicativos de que o Deus em quem Israel colocava sua confiança era maior que a opressão que vivia sob o governo egípcio.
Nessa esperança, o povo, então, segue o caminho do deserto. Isso, contudo, não deve ser visto somente como uma linda história para crianças. Antes, nela é possível ressaltar um aspecto fundamental da categoria da esperança. Essa esperança não é algo passivo, que se espera que Deus simplesmente resolva os problemas que o povo possuía, mas é algo que leva à ação da caminhada, motivada pela fé naquele que faz a promessa e é capaz de cumpri-la.
O Novo Testamento também, ancorado na narrativa do êxodo (principalmente Mateus) mostrará um Jesus que se revela como o novo Moisés para a comunidade de Israel e, mais ainda, como libertador de todo o mundo. Os paralelos são imensos e não devem ser esquecidos. Assim como Moisés liberta o povo da opressão do Egito, assim Jesus, de acordo com os Evangelhos, liberta o mundo da opressão da morte. Assim como Moisés é aquele que traz a lei ao povo, Jesus é aquele que revela qual a vontade de Deus para o mundo, mostrando que a lei de Deus é a lei do amor. Da mesma forma que Moisés é aquele que conduz o povo de Israel para a terra prometida, assim também Jesus é aquele que conduz a humanidade rumo ao Reino de Deus que há de vir.
Por último, no que tange à temática desse texto, assim como o povo precisou confiar na promessa de Deus feita a Moisés para que se aventurasse com ele pelo deserto durante uma geração inteira, assim também é necessário que aqueles e aquelas que creem em Jesus Cristo compreendam que a esperança cristã, que é ancorada na promessa da nova criação de todas as coisas, não se mostra como algo passivo, mas demanda de cada um e de cada uma ações efetivas sobre a realidade.
A esperança cristã é baseada no encontro com o Ressuscitado, na experiência que se faz de que se ele ressuscitou, nós também seremos ressuscitados com ele, de que se nele habita a plenitude da vida, então somos também coparticipantes dessa nova vida, sendo, ao mesmo tempo, os responsáveis por mostrar ao mundo as nuances do Reino que há de vir.
Dessa forma, a esperança cristã, quando bem compreendida enquanto fruto do encontro com o Ressuscitado, deve gerar em nós o desejo de transformação da realidade. Em outras palavras, essa esperança faz com que lutemos contra as estruturas de morte e opressão que habitam nesse mundo, faz tomar a causa que Jesus tomou, ou seja, a causa dos pobres e sem direito, dos marginalizados, desapropriados e esquecidos da sociedade.
Assim, essa esperança é esperança que faz caminhar e não se conformar com este mundo, lutando para sua transformação por reconhecer que este não é o mundo desejado por Deus. Ela, mesmo que às vezes esmorecida, segue firme, crendo que assim como a ressurreição mostra que a morte não tem mais a última palavra, assim também é possível crer que as estruturas de morte que hoje imperam sobre nosso país não serão vencedoras.

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