Qual é a onipotência do Deus cristão?

Qual é a onipotência do Deus cristão?

É muito comum, ainda em nossos dias, permanecer no imaginário cristão a ideia de um Deus que para se afirmar como onipotente necessita exercer seu poder destruindo a tudo, todos e todas que se colocam no seu caminho. A ideia de que o deus mais poderoso é aquele para quem não existem mais barreiras a serem transpostas, e diante do qual todos e todas não podem dizer não, sendo obrigados/as a fazerem sua vontade é notória nos diversos movimentos evangélicos, carismáticos, pentecostais e neopentecostais atuais.
Essa visão de onipotência, por sua vez, remete aos tempos bíblicos e seus povos, para os quais a guerra entre as nações significava a guerra entre os seus deuses e deusas, de tal maneira que eram nessas batalhas que se demonstrava quem possuía maior força, sendo dessa forma, legitimado/a a estender o seu domínio.
O próprio texto bíblico tem narrativas que corroboram essa visão, tais como o caso de Elias com os profetas de Baal, cujo desafio estava em mostrar que o deus verdadeiro seria aquele que mandasse descer fogo do céu (1Rs 18), ou ainda o caso da arca roubada pelos filisteus que, estando na cidade de Asdode, no templo de Dagom, fez com esse deus amanhecesse caído duas vezes, sendo a primeira com o rosto em terra, e a segunda, na mesma posição, porém com a cabeça e as palmas das mãos desprendidas, restando dele somente o tronco,  conforme 1Sm 5,1-4.
Quando, porém, vamos para o Novo Testamento, principalmente para as narrativas dos Evangelhos, é possível perceber um conceito totalmente diferente do que seria a onipotência divina. Ela se manifesta não mais com a destruição por meio da força de todos os inimigos, mas, de maneira mais radical, pelo amor que é derramado sobre os bons e os maus. Ao mesmo tempo, o Pai de Jesus Cristo não é mais retratado como aquele que exige que todos e todas se submetam à sua vontade. Muito pelo contrário, revela sua onipotência em um nível supremo, permitindo até mesmo não ser amado, mostrando que a verdadeira onipotência não consiste em ter o poder de fazer tudo o que se quer, mas, sim, abrir mão de todo poder em eterna doação.
Em outras palavras, a onipotência divina se manifesta e é evidenciada por seu amor doador, que permite até mesmo não ser amado de volta, sem infringir nenhum castigo àquele ou àquela que não o aceita. A onipotência que se manifesta quando isso acontece é muito mais sublime do que aquela que simplesmente destruiria tudo, todos e todas a fim de exercer a sua vontade.
Dessa forma, delineiam-se dois caminhos possíveis para o cristianismo atual nessa questão: 1 – permanecer com a primeira visão de onipotência divina e, a partir daí, assumir para si um discurso de que há um inimigo a ser combatido e destruído para se provar que o Deus que se serve é maior e mais poderoso do que os outros deuses deste mundo (que, atualmente, são apresentados por grupos mais fundamentalistas com outros nomes, tais como “ideologia”, “comunismo”, “socialismo”, “ideologia de gênero” etc), fortalecendo, assim, discursos e atitudes que geram morte às diversas minorias; 2 – estar disposto a ter sua mentalidade transformada pelo encontro com o Ressuscitado que revela que a única exigência de Deus é para que se ame a todos e todas, sem distinção, lutando para que haja igualdade social e de condições de possibilidade para todos e todas as pessoas na face da Terra e, por meio desse amor, mostrar a onipotência divina que consiste em estar em constante doação, criação e geração de vida para a humanidade e a natureza.
Diante disso, é sempre importante lembrar de que é na suposta fraqueza de um amor que tudo sofre, espera e crê que se mostra a verdadeira onipotência divina, conforme mostrada por Jesus Cristo.
Enquanto a onipotência divina for vista como uma categoria bélica de um Deus que está sempre lutando para exercer o seu domínio, dizer que Deus é amor não passará de mera demagogia por parte daqueles e daquelas que se dizem cristãos e cristãs dentro dos diversos templos espalhados pelo mundo, e continuam fomentando a morte da humanidade e da natureza por meio de políticas públicas que aumentam a violência, a desigualdade e o uso indiscriminado dos bens naturais.

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