No lugar da dor, sofrimento e morte: Vida.

No lugar da dor, sofrimento e morte: Vida.


Atualmente, ainda é comum se ouvir nas igrejas evangélicas espalhadas pelo país de que estar no centro da vontade de Deus machuca, dói e faz sofrer. Como uma espécie de termômetro da vontade divina, o sofrimento serve para indicar nosso grau de comprometimento com a causa do Evangelho e o quão santos somos. A linha de raciocínio pode ser resumida da seguinte forma: uma vez que estamos em um mundo que não cumpre a vontade de Deus, então todos/as que se colocam contra esse mundo serão perseguidos/as, maltratados/as e sofrerão por anunciar o Cristo, assim como os discípulos/as sofreram no início do Cristianismo com as perseguições do Império Romano. Dessa forma, quanto maior o sofrimento e a dor, a probabilidade de se estar no centro da vontade de Deus é cada vez mais alta.
Que isso tenha seu ponto de verdade basta observarmos as diversas pessoas que são perseguidas ao redor do mundo por confessar sua fé em Jesus Cristo e se dizerem cristãs. No entanto, no Brasil, esse tipo de perseguição não ocorre pelo motivo muito simples de que somos um país cristão. Nesse sentido, não há perseguição ao Cristianismo enquanto profissão de fé. Muito pelo contrário, dado o crescimento de uma onda conservadora em nosso país, a perseguição se dá contra as religiões de matrizes africanas e contra as minorias, tais como os homossexuais, negros, indígenas, mulheres etc. Ou seja, contra aqueles/as com os/as quais Jesus sempre esteve e sempre tomou seus partidos.
Diante desse cenário, repensar a questão da vontade divina se faz extremamente importante dentro do movimento evangélico. Se se tem que a vontade divina sempre dói, machuca e faz sofrer, como, afinal, alguém poderia dizer que isso é uma boa nova? Ao longo da história desse movimento, uma ênfase muito grande foi dada ao conflito carne e espírito (muitas vezes de uma maneira errônea), entendendo a carne como o corpo e o espírito como algo somente espiritual. Com isso, a rejeição do corpo e de todos os seus prazeres se tornou o discurso chefe quando se falava em vontade de Deus e vontade humana, de maneira que, se você escolhesse a vontade divina, teria que abrir mão desses “prazeres mundanos”, o que traria dor e sofrimento para você e, uma vez passado esse sofrimento inicial, seria possível gozar a nova vida de reconciliado com Cristo. Com isso, estabelecer o que era do mundo e o que era divino era muito simples, até chegar ao ponto do discurso de que “se faz sofrer, então é divino, se não faz, então é do mundo”.
Ao se fazer isso, porém, coloca-se em xeque a própria encarnação, uma vez que, por meio dela, o que se mostra é que Deus entra no mundo, trazendo a boa nova de que Ele se importa com as pessoas que moram nessa terra e está disposto a reconciliá-la consigo, trazendo vida, alívio e cura para as feridas humanas e da natureza.
Isso chama a atenção de que a vontade divina não é aquela que machuca, dói e faz sofrer, mas, antes, aquela que da vida, cura e traz alívio. Isso, claramente, não exclui o sofrimento. Este vem no assumir o compromisso com a justiça, em favor dos mais pobres e marginalizados do nosso dia a dia frente a um mundo para o qual eles não valem nada e podem ser tratados como meros objetos, sendo dever cristão, na esperança da nova criação de todas as coisas, lutar em favor deles.
Dessa forma, para o movimento evangélico atual deveria haver a memória de que o Natal para o qual o Ocidente se prepara, mostra que, por meio da encarnação, no lugar da dor, veio o alívio, no lugar do sofrimento, a libertação e no lugar morte, veio a vida, sendo essa a vontade de Deus para o ser humano. Mas, fazer isso, implica em abrir mão do discurso que prega o sofrimento como termômetro para a vida cristã e o medo do inferno no lugar da liberdade.
Estaria o movimento evangélico atual disposto a isso e todas as suas implicações?

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