O caminho do meio

O caminho do meio

Ultimamente nos meus estudos de teologia e ouvindo diversas aulas e palestras a respeito, tenho percebido que talvez o maior desafio do cristianismo atual seja o caminho do meio.
O cristianismo surge a partir da morte de Cristo com a proclamação dos apóstolos de que aquele que estava morto foi ressuscitado e Deus o havia tornado Senhor e Cristo. Essa proclamação é conhecida como o querigma cristão. Querigma é uma palavra grega que quer dizer exatamente proclamação. Dessa forma, o querigma cristão fundamental na origem do cristianismo foi o da morte e da ressurreição de Jesus de Nazaré.
Com o passar do tempo, diversos debates acerca do fato cristão foram surgindo, dentre eles, a questão das duas naturezas de Cristo discutida pela escola de Alexandria e Antioquia, a questão da criação ou geração de Cristo que enquanto Ário defendia a criação sublime de Cristo, Atanásio insistia na geração, sendo esta questão suscitada por Ário uma das maiores questões cristológicas já levantadas. Mais tarde, já sob influência do iluminismo temos o levantar das buscas do Jesus histórico que perdura até hoje estando já na sua 4ª busca desde então. Mesmo com diversas questões levantadas ao longo da história do cristianismo, podemos perceber que as diversas cristologias sempre variaram ao longo da história entre uma cristologia ascendente e uma descendente.
A cristologia ascendente prega o homem enquanto assumido pelo Verbo de Deus e percebe mais a humanidade de Cristo enquanto que a cristologia descendente tem seu fundamento em João 1,14 “e o Verbo se fez carne” e enfatiza mais a divindade de Cristo. As duas cristologias apresentam seus pontos negativos. Do lado ascendente fica difícil explicar a unidade de Cristo e humanização do Verbo enquanto que do lado descendente temos uma dificuldade em distinguir as duas naturezas de Cristo.
A partir da teologia moderna, influenciada pelo iluminismo, o cristianismo passa a ter uma visão mais voltada para o homem, ou seja, há certa antropologização da visão cristã. Teólogos como Althaus, Brummer, Thielick e Barth, sendo esses três últimos sob influência de Heiddeger, terão uma nova visão acerca do homem. Desfazendo o paradigma dualista grego, valorizará a questão do corpo e a questão da humanidade abrindo uma nova forma de ver o homem dentro do cristianismo.
Contudo, mesmo com toda essa mudança de visão a respeito do homem por parte da teologia, percebemos que o querigma cristão continuou o mesmo ao longo dos séculos do cristianismo, ou seja, que Deus se fez carne morreu para salvação do homem e ressuscitou.
Atualmente, porém percebemos um cristianismo, em muitos meios, tendencioso a se transformar em um humanismo exacerbado. Nesse caso o ser cristão estaria muito mais ligado a uma questão ética e moral, ou seja, fazer o bem ao próximo, ao planeta, cuidar dos animais, o homem como construtor do seu futuro e de sua salvação dentro do próprio mundo, o homem que se abre para Deus e por aí vai.
Nesse contexto, em muitos casos, não se correria o risco de esquecer a origem cristã e o querigma cristão fundamental de que Deus se fez homem para salvar o homem? Porém, ao desconsiderar o ponto da encarnação não estaríamos criando assim um discurso extremamente ético, bonito e moral, contudo um discurso que não é cristão, uma vez que o cristianismo se baseia no fato cristão?
Não seria isso talvez um extrapolar da questão ascendente que pode culminar em Jesus ser simplesmente um homem que se abriu para Deus não sendo Deus encarnado?
Da mesma forma que temos uma humanização exacerbada temos também uma espiritualização exacerbada acerca da questão de Cristo, do Reino e tudo mais. Nessa visão, muito mais corrente no meio pentecostal, o homem deve viver preocupado simplesmente com o porvir. Não há necessidade de preocupação terrena, uma vez que a pátria é celestial e somos seres celestiais tendo que nos preocupar somente em viver para alcançar o céu e por aí vai. Esse discurso também não é um discurso cristão se olharmos as falas de Jesus.
Não estaríamos, nos dois casos, com um problema de princípio e forma?
Para ter uma ideia sobre o que estou tentando dizer talvez seja útil pensar na construção de uma casa usando vigas de ferro. Sabemos que o ferro é maleável e pode ser usado de diversas formas. Assim, quem quiser construir uma casa em formato de iglu pode fazer com o mesmo ferro que alguém usa para construir uma casa retangular. A forma muda, contudo o material é sempre o mesmo.
Penso que nesse exemplo talvez seja exemplificado um dos maiores desafios do cristianismo atual: não cair em um mero humanismo onde Jesus deixa de ser Deus e dessa forma não salva o homem e assim, mudando o material com o qual construo minha casa, crio outra casa, talvez resistente, bem estruturada só que não podendo ser chamada de uma casa de ferro, bem como não cair em um fundamentalismo preso às formas e estruturas já criadas ao longo de séculos de dogmas e esquemas religiosos dando mais valor à forma da casa ao material da qual ela precisa ser feito, construindo assim somente uma fachada que tem todos os materiais, menos o material que deveria ser o principal. Ou seja, andar o caminho do meio, a linha fina que separa o humanismo exacerbado da rigidez dogmática, enfim, o caminho estreito.
Pensemos…
Fabrício Veliq
25.10.12 – 18:26

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