Pensar e falar sobre Deus enquanto característica humana

Pensar e falar sobre Deus enquanto característica humana

Photo by Greg Rakozy on Unsplash


Somos seres capazes de razão e linguagem verbal. Essas características, talvez, sejam as mais marcantes dentro do gênero humano. Embora saibamos que os animais tenham em alguma medida certa forma de racionalidade, seria ingênuo pensar que o poder de síntese, representação, conceituação etc. seja o mesmo que os dos seres humanos.

Essa capacidade de raciocinar e de verbalizar traz, ou pelo menos deveria trazer, grande responsabilidade para a humanidade. Afinal, é sobre ela que recai o dever de conservação do planeta e de promoção de igualdade e justiça social entre si, mesmo eu suspeitando que se a conservação do planeta fosse deixada a cargo dos animais ele estaria em melhores condições do que está hoje.

Da mesma forma que tais capacidades implicam responsabilidade, também permite pensar algo que está para além de nós, ou seja, pensar questões que consideramos como fulcrais e existenciais, do tipo “de onde viemos?”, “para onde vamos?”, “qual o sentido da vida?”, dentre várias outras que tratam do âmago da existência humana.

Ao pensar nelas também surge em muitas culturas as questões das divindades. Mesmo que para uma sociedade pós-cristã a ideia de Deus, tal como cunhada na Antiguidade, esteja se arrefecendo, de maneira que em muitos lugares e para muitas pessoas a ideia de acreditar em algo assim seja considerado infantil, não racional, e que remete às carências mal resolvidas, ainda há um longo caminho até que tal pensamento se torne mundial, se é que tal evento um dia acontecerá.

Ao mesmo tempo, alguns estudos tentam mostrar certo gene da crença. Ou seja, a ideia de que haveria no ser humano algo que lhe fosse inato e que o predisporia a ter fé em alguma coisa que esteja para além dele. Por mais problemático que tal tentativa de explicar a fé por meio científico possa ser (até mesmo porque o termo fé é polissêmico), serve como exemplo de como tal questão se mostra como incômodo para muitas pessoas ainda na contemporaneidade. Em outras palavras: diante do fato de que o ser humano desenvolve a fé, pensar como isso é possível se mostra como desafio para ciência e diversos estudiosos sobre a temática.

No cristianismo também se pensa e fala sobre a questão de Deus. Mesmo que Deus seja um pressuposto para nós, ainda assim ele se coloca como questão que dá a pensar, principalmente quando a fé cristã afirma que esse Deus se encarnou na pessoa de Jesus Cristo. Diante disso, falar a respeito de Deus se torna também falar a respeito do ser humano Jesus de Nazaré. Claramente, isso não transforma toda a teologia em antropologia, como queria Feuerbach no século 19. Antes, a encarnação, morte e ressurreição de Jesus (pilares da fé cristã) revelam que compreender e realizar a vontade de Deus passa, necessariamente, pela humanidade, não se encerrando nela própria, visto que a ressurreição aponta para algo para além de nós, que vem da parte de Deus, que é a nova criação de todas as coisas.

Afirmar a humanidade de Deus em Jesus Cristo implica dizer que tudo aquilo que é referente ao humano toca a divindade do próprio Deus, de maneira que se torna impensável, na esfera cristã, um Deus que seja distante e que viva em seu mundo, indiferente às realidades do ser humano. Em outras palavras, torna-se impensável um Deus que não seja capaz de sofrer com o sofrimento da humanidade.

Nesse sentido, a afirmação de um Deus que deseja o mal, ou planeja a morte de pessoas por uma pandemia para ensinar a humanidade sobre o quão prejudicial é não o obedecer é uma aberração. Um Deus assim não experimentou a humanidade, o sofrimento, a dor, a alegria e o desespero que são próprios de seres como nós.

Se como cristãos pensamos e narramos Deus como sendo amor, então tudo aquilo que oprime a humanidade também causa sofrimento no ser de Deus, visto que, de acordo com os Evangelhos, ele não está distante de nós, mas está em nós, caminhando conosco e nos fortalecendo na caminhada.

Urs von Balthasar dizia que só o amor é digno de fé. Assim, somente quando se volta à linguagem do amor enquanto ato que visa o bem para o próximo, com ações efetivas em favor dos que sofrem é que se pode dizer que ali estão os seguidores e seguidoras do Pai de Jesus Cristo, também chamado de Deus pelos cristãos.

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