As religiões como fomentadoras de negacionismos

As religiões como fomentadoras de negacionismos

A gravura Flammarion (1888), representando um viajante que chegou ao limite de uma Terra plana e espreita através do firmamento (Heikenwaelder Hugo/Wikimedia)


Se procurarmos com atenção, é possível encontrar quase diariamente alguma notícia que envolva algum movimento negacionista. Negação de que o ser humano tenha pisado na lua, negação de que o planeta teria forma ovalada, negação do aquecimento global, ou ainda mais destacado recentemente, os movimentos antivacinas. Esses são alguns exemplos, mas indicam um aumento considerável desse tipo de teorias conspiratórias, fomentadas por diversos canais no YouTube e fake news compartilhadas pelo Whatsapp.

Que esse tipo de movimento esteja se mostrando como grande ameaçador da sociedade parece evidente. Afinal, quando determinado grupo afirma que não tomará uma vacina por acreditar em alguma teoria conspiratória, tal grupo coloca em risco o restante da população da região em que se encontra, uma vez que é sabido que vacinas só se tornam eficazes se uma quantidade significativa de pessoas a tomam e possam fazer com que o vírus perca seu poder de circulação.

Da mesma forma, quando determinado grupo que afirma que o aquecimento global é uma mentira ocupa as cadeiras decisórias de seus respectivos países, isso pode levar ao agravamento da crise ambiental e, consequentemente, causar a morte de grandes populações devido a tsunamis, furacões e outras consequências naturais que tal aquecimento global pode acarretar no mundo.

Os movimentos negacionistas são perigosos justamente por irem contra os fatos e dados empiricamente estabelecidos pela comunidade científica, ancorando-se somente em suas opiniões e crenças. Mas, talvez, o leitor e a leitora desse texto possa se perguntar: o que tem a ver a religião ou a teologia com isso?

É justamente esse o ponto fulcral. As religiões e algumas de suas teologias desempenham papel fundamental nesse caldo que se engrossa e começa a transbordar em diversos países. No caso especificamente do cristianismo, as leituras fundamentalistas e literalistas do texto bíblico servem de base para alguns negacionismos.

Dentre eles, talvez, a ideia da terra plana seja a que mais salta aos olhos. Ao se ler o texto bíblico de forma literal é fácil afirmar que a Terra é plana, afinal, são diversas as passagens que fala a respeito dos quatro cantos da Terra, aos quais Deus enviou seus anjos e em momento nenhum se afirma que os anjos deram uma volta pelo globo terrestre. Até mesmo se tomarmos o texto de Jó 1,7, que afirma que Satanás chegava de uma “volta na terra”, tal tradução não se mostra a melhor dado o contexto do texto, sendo preferível a ideia de “ir e vir” pela Terra. Em outras palavras, a cosmologia bíblica pressupunha um mundo que era plano e, portanto, pregar sua literalidade implica em dizer isso.

Concomitantemente, também a ideia de não se medicar é presente em diversos discursos fundamentalistas cristãos. A ideia de que se Deus cura não é preciso tomar remédio ainda se faz presente em diversas pregações de pastores e pastoras espalhadas pelo mundo. Ancorando-se numa leitura literal de Mc 16,8 pregam que basta orar e toda enfermidade ou doença será extirpada, sendo, portanto, tarefa do crente expulsá-las de determinado corpo, ou em casos mais empolgados, também de um país inteiro, ou do próprio mundo, como é possível perceber em diversas pregações e orações que ocorreram nos Estados Unidos e também no Brasil, sem contar os movimentos estelionatários que ofereciam feijões, óleos etc para, por exemplo, “curar” alguém da COVID-19.

Esses exemplos podem servir para mostrar a influência que os movimentos religiosos, e no caso, cristãos possuem no fortalecimento de movimentos negacionistas. Nesse sentido, é tarefa teológica e cristã promover um ensino coerente e correto do texto bíblico, sempre mostrando-o e ensinando-o dentro do seu contexto específico. Fazer isso, juntamente com a denúncia do mau uso do texto por parte de charlatões e charlatães da fé é imprescindível para que o texto bíblico possa se tornar Palavra de Deus para a sociedade contemporânea.

Com isso em mente, não é difícil dizer que a teologia tem um papel importante a desenvolver na sociedade contemporânea e que, enquanto teólogos e teólogas, devemos assumir esse compromisso diante da sociedade.

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