Será que realmente celebramos o Pentecostes?

Será que realmente celebramos o Pentecostes?

Imagem de Holger Schué por Pixabay

No domingo passado foi celebrado na liturgia cristã o dia de Pentecostes. Esse dia, celebrado 50 dias depois da Páscoa, é conhecido no cristianismo como o dia da descida do Espírito sobre os apóstolos, em cumprimento da promessa feita por Jesus antes de sua ascensão aos céus (cf. a narrativa de At.1).

A festa, porém, não é algo que surge com o cristianismo. É importante lembrar que os discípulos e discípulas de Jesus durante seu período na Palestina eram judeus e seguiam o calendário das festas judaicas. O próprio Jesus participou de várias delas, como mostra o evangelho de João.

A festa de Pentecostes era o nome em grego da chamada festa das Semanas ou Festa da Colheita da qual fala o Pentateuco e que era celebrada 50 dias depois da páscoa judaica (de fato, pentecostes em grego quer dizer: 50 dias depois). O nome da festa é bastante indicativo do que era celebrado pelo povo hebreu: a colheita dos primeiros frutos da terra, mais precisamente a cevada e o trigo. Nesta festa se ofertavam a Deus as primícias da colheita em agradecimento pela chuva e pela terra que dava sustento ao povo.

Umas das características marcantes da festa eram os aspectos comunitário, fraterno e ecumênico, quando todo o povo, bem como os estrangeiros que habitavam no meio dele, eram chamados para a celebração das bênçãos divinas. Da mesma forma, nessa colheita era deixada a parte aos mais pobres e aos estrangeiros, de maneira que não houvesse necessitados entre o povo, como mostra Levítico 23,22, e também o livro de Rute. Nesse sentido, a festa das colheitas, que mais tarde foi chamada de Pentecostes ressalta que todos e todas são filhos e filhas do mesmo Deus e, portanto, portadores de dignidade.

Quando nos movemos, então, para a festa de Pentecostes de Atos 2 sabendo do que se tratava a celebração original, torna-se mais profundo o ensinamento que tal relato nos traz. O próprio texto mostra que se tratava de um momento ecumênico e de certa forma, como afirmam alguns teólogos, também um momento inter-religioso. Havia povos de todas as nações vizinhas ouvindo as maravilhas de Deus que eram anunciadas em suas próprias línguas por parte daqueles que estavam cheios do Espírito Santo. Assim, no lugar da confusão de línguas narrada no mito da torre de Babel em Gênesis 11, agora entra a serenidade da voz do Espírito que alcança a todos os povos.

Longe de se encontrar no texto as chamadas “línguas dos anjos” que o movimento pentecostal costuma afirmar, o autor de Atos deseja ressaltar a universalidade do alcance da graça de Deus que pode ser compreendida por todos os povos. Ao mesmo tempo, manifesta também que “receber poder para serem testemunhas” (cf. At 1,8) está mais relacionado com o anúncio da salvação de Deus trazida à humanidade, que a transforma e mostra o amor divino a todas as pessoas, do que fazer milagres e demonstrações de poderes sobrenaturais.

Se na festa de Pentecostes do povo judeu se celebrava a bondade de Deus, o seu sustento e a fraternidade entre todos os povos que são chamados a estar diante Dele reconhecendo suas maravilhas, a ressignifcação cristã dessa festa a mostra de maneira ainda mais profunda. Em outras palavras, revela o Pai amoroso de Jesus Cristo que derrama do seu Espírito sobre bons e maus, revelando as suas maravilhas a todos os povos e capacitando-os a serem reais testemunhas do Evangelho de Jesus Cristo.

Esse testemunho a respeito de Jesus implica mostrar no dia a dia o Pai que não deseja a guerra, mas demanda a paz; que não se agrada com as injustiças sociais, mas deseja a distribuição igualitária da terra e do que ela produz; que não se agrada com qualquer tipo de segregação, mas que demanda de seus filhos que lutem contra toda e qualquer discriminação desde a racial até as religiosas.

Celebrar o Pentecostes sem essa consciência é não compreender o sentido cristão de tal celebração, tornando-o somente um tipo festa mágica no qual certo espírito desce sobre as pessoas, levando-as a um momento catártico que não altera em nada a realidade da comunidade em que estão inseridas.

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