A tolice como mãe dos fundamentalismos e fanatismos

A tolice como mãe dos fundamentalismos e fanatismos

Imagem de WikiImages por Pixabay 

“Ainda que fôssemos tolos a pontos de considerar verdadeiras todas as nossas opiniões, não iríamos desejar que existissem apenas elas” (Nietzsche)

Esse aforismo de Nietzsche, grande pensador do século XIX, está em seu livro Aurora que é considerado por alguns estudiosos como uma obra de transição do filósofo no intuito de consolidar as ferramentas teóricas que serão utilizadas em suas obras posteriores, apontando “para um quadro teórico de transição na filosofia de Nietzsche, que, neste caso, irá desembocar na doutrina da vontade de potência (Wille zur Macht)”[1]

Esse aforismo simples, por sua vez, revela também dois pontos interessantes: o primeiro é que para o filósofo é possível que haja pessoas que considerem verdadeiras todas as suas opiniões; o segundo é a esperança de que tais pessoas não desejariam que só suas opiniões existissem.

Quanto ao primeiro ponto, isso parece cada dia mais latente em nosso cenário político e religioso. Primeiramente pelo fato de que realmente estamos (ao contrário da época de Nietzsche) na época das opiniões. O conceito de pós-verdade, que afirma que as opiniões valem mais do que os fatos e que é uma realidade de nossa época mostra isso claramente. Um exemplo disso pode ser percebido no crescimento de um fanatismo político sem igual entre os apoiadores do governo Bolsonaro e, a partir do anúncio da saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça, pela criação de outra ala fanática que começa a criar outra personagem para prestação de seus cultos. Basta observar seus argumentos baseados somente em opiniões para perceber que Nietzsche se mostra com razão.

No cenário religioso, da mesma forma, vê-se o crescimento das igrejas neopentecostais aliadas com os movimentos do chamado Novo Calvinismo norte-americano. Esses dois movimentos, aliando os discursos de uma teologia da prosperidade com os discursos do fundamentalismo bíblico nada mais fazem do que afirmar que suas opiniões são as únicas verdadeiras e, por isso, as únicas que precisam ser ouvidas e obedecidas pelas pessoas que querem servir ao Deus que consideram verdadeiro.

Essas pessoas, segundo Nietszche, seriam tolas justamente por pensarem dessa forma. Nesse ponto fica difícil discordar do filósofo, uma vez que a própria experiência de vida mostra a qualquer pessoa atenta que todo fato tem sempre várias formas de ser dito, visto e contado e, por esse motivo, toda verdade, seja ela qual for, sempre se dá em perspectiva, a partir da realidade daquele que a observa. Embora o fato não mude, as interpretações que se dá dele são muito variáveis. Por este motivo, acreditar que somente as opiniões que se tem são verdadeiras se mostra como grande tolice.

Quanto ao segundo ponto do aforismo nietzscheano, aparentemente tal esperança não se concretiza na realidade dos movimentos fundamentalistas e fanáticos sejam políticos, sejam religiosos. O desejo de todo fundamentalista e de todo fanático é de que somente sua opinião exista e tal pessoa está convicta de que o mundo será um lugar melhor no momento em que todas as outras pessoas aceitarem aquilo que ele considera como verdade absoluta.

Quando isso segue para o campo político ou religioso vemos surgir uma parcela da população que prega a intolerância, o ódio e o desrespeito para com todo pensamento que lhe seja divergente. Perde-se com isso a capacidade de se tornar mais humano que se dá justamente quando é possível a troca de opiniões e a abertura para pontos de vista que rejeitamos por muitas vezes não o compreendermos.

Assim, a tolice se mostra como mãe dos fundamentalismos e fanatismos em todas as suas formas e os que seguem por esse caminho nada mais fazem do que descansarem em seus braços.


[1] DIAS, Geraldo. Aurora: uma obra de transição no conjunto dos escritos de Nietzsche.Cad. Nietzsche,  São Paulo ,  v. 1, n. 34, p. 231-254,  June  2014 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2316-82422014000100011&lng=en&nrm=iso>. access on  24  Apr.  2020.  https://doi.org/10.1590/S2316-82422014000100011.

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