Vidas ou Economia? Uma pergunta sem sentido do ponto de vista cristão

Vidas ou Economia? Uma pergunta sem sentido do ponto de vista cristão

Recentemente, devido aos diversos fechamentos ocorridos em diversas cidades ao redor do mundo por causa do novo coronavírus COVID-19, levantou-se a questão a respeito da dicotomia entre economia e vidas humanas. Em resumo, a questão é: vale a pena deixar todas as pessoas em casa para evitar a disseminação do vírus e acabar com a economia de um país?
Os argumentos dos que são favoráveis à volta à normalidade se concentram na ideia de que um país parado não gera riqueza. Não gerando tal riqueza, seus cidadãos não terão suas necessidades básicas supridas, a economia entrará em colapso e milhares de pessoas morrerão do mesmo jeito, de maneira que a escolha é entre morrer por causa do vírus ou por causa de falta de mantimentos.
Que esse argumento venha da parcela rica da população não é de se espantar. Afinal, essa parcela depende totalmente dos trabalhadores e trabalhadoras para geração de sua riqueza, algo que Marx, no século XIX, já mostrava de forma bastante clara com seu conceito de mais valia e toda sua análise do capitalismo de sua época.
Ao mesmo tempo, diversos economistas têm mostrado que, além de tal dicotomia ser uma “aberração ética e impostura científica[1]”, em momentos de crise a intervenção do Estado como provedor da subsistência e auxílio das pessoas mais necessitadas é imprescindível. Este deve começar suas ações, como pontua o Manifesto dos professores de Economia da UFMG, provendo renda básica à população vulnerável, aumentando o investimento na saúde pública, ampliando o período do seguro desemprego, isentando as populações de baixa renda do pagamento de água e luz, dentre várias outras ações que visam, justamente, minimizar os danos que serão causados pelo isolamento necessário para que mais pessoas não morram.
Do ponto de vista da teologia cristã, é um ultraje que se considere a economia na frente de vidas. O texto bíblico, bem como o testemunho de Jesus Cristo sempre mostrou que as pessoas são mais importantes que as coisas. Em outras palavras, tudo aquilo que é humano, e tudo o que possui vida vem acima das coisas que são inanimadas. O dinheiro, o lucro dos bancos e dos empresários, os dividendos pagos aos que especulam nas bolsas de valores ao redor do mundo nunca devem estar acima da dignidade e valor da vida humana.
Nesse sentido, aqueles e aquelas que propõem a questão de escolher entre salvar a economia e salvar pessoas não compreenderam em nada a proposta cristã e a mensagem do Evangelho. O mesmo tipo de reflexão não se aplica somente ao cristianismo, sendo presente em diversas religiões ao redor do mundo o princípio de que a vida humana não tem preço e nada, em nenhum momento, justifica sua morte.
Com isso em mente, enquanto teólogos e teólogas cristãos em um país majoritariamente cristão no qual a religião exerce um peso enorme na vida das pessoas é nossa tarefa denunciar que colocar a economia, o ganho financeiro, a geração de capital e a manutenção do lucro acima da vida humana não é algo que vem da parte de Deus. Muito pelo contrário, trata-se de uma atitude anticristã e, nesse sentido, diabólica.
Com isso em mente, é louvável a atitude de algumas igrejas em manterem suas portas fechadas para evitar o contágio entre seus fieis. Do outro lado, é vergonhoso que as igrejas neopentecostais façam lobbies junto ao governo para que possam ser consideradas na categoria de “serviços essenciais” para sociedade, o que, todos sabemos, é uma mentira.
Diante disso, é importante estar atento às posturas adotadas por empresas, igrejas e instituições neste momento pelo qual passamos. Suas atitudes mostram, muito mais que suas palavras, o que é mais importante para elas: a vida de seus fieis e funcionários, ou o lucro que eles podem gerar, mesmo que para tal lucro seja necessário deixar pessoas morrerem.


[1] Cf. Manifesto dos Professores de Economia da FACE/UFMG, 2020.

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