Conservadorismo e o dilema entre Religião do Livro e Religião da Palavra

Conservadorismo e o dilema entre Religião do Livro e Religião da Palavra

O crescimento do Conservadorismo no Brasil e no mundo deveria ser algo que preocupasse aos cristãos, uma vez que a história mostra que as ondas conservadoras sempre trouxeram mais estragos para os mais desfavorecidos do que para os detentores do poder. Nesse sentido, o Cristianismo deveria ser um dos primeiros a levantar a sua voz contra esse tipo de postura.
O Conservadorismo cristão, assim como outros fundamentalismos religiosos ao redor do mundo, se baseia geralmente numa leitura literal do texto sagrado que, no caso do Cristianismo, é a Bíblia, no caso do Islã é o Alcorão e no caso do Judaísmo é a Torah. Nesse sentido, essas religiões, em suas vertentes conservadoras, vêem o texto como aquele que revela o plano de Deus para a Humanidade e, por esse motivo, deve ser seguido por aqueles/as que querem ser encontrados/as realizando a vontade de Deus e cooperando para o plano divino de salvação da Terra. Por esse motivo, essas religiões são comumente chamadas de “Religiões do Livro”, uma vez que se tem um livro no qual acredita estar a revelação de Deus para todos e todas.
Para o Conservadorismo cristão, não há problema que o Cristianismo seja conhecido como uma das religiões do livro. Afinal, partem do princípio de que o texto bíblico é “A Palavra de Deus” revelada para salvação de todos/as. No entanto, ao tomarmos o texto bíblico, e a leitura que o Novo Testamento faz do Antigo Testamento pelas “lentes” de Cristo ou, em termos técnicos, por um viés cristológico, deveria ficar claro que o texto em si não foi escrito para ser considerado o “livro de Deus”, mas, antes, foi escrito para dar testemunho da “Palavra de Deus” que estava no princípio com Ele.
Com isso, a Bíblia deveria ser lida pelos cristãos como um livro que dá testemunho a respeito da Palavra de Deus à Humanidade, ao invés de ser lido como um livro de normas e deveres a serem seguidos por aqueles que crêem em Jesus Cristo.
Uma vez compreendendo isso, deveria ficar claro que a Palavra de Deus à Humanidade não é um texto escrito, antes, uma pessoa e é sobre essa pessoa que o Novo Testamento dá testemunho de que andou fazendo o bem e libertando a todas e todos os oprimidos pelo diabo.
Compreender que o Cristianismo é uma religião baseada em testemunhos a respeito da Palavra de Deus que viveu entre nós, deveria nos fazer perceber que tudo aquilo que vai contra as causas pelas quais Jesus lutou, vai contra a proposta cristã.
Com isso, não deveria ser difícil para os cristãos lutar em favor do casamento igualitário, por entender que ali onde há amor e ele é afirmado, ali Deus se faz presente, uma vez que foi essa a pregação de Jesus. Também não deveria ser difícil lutar pela legalização do aborto nos casos de violência sexual e risco de morte da mãe, por entender isso como questão de saúde pública e estar atento ao fato de que as principais vítimas dessa não legalização são as mulheres negras, pobres e de periferia que são marginalizadas e mais suscetíveis à violência sexual. Nesse sentido, a valorização da vida fugiria de um discurso hipócrita que acarreta sobre essas mulheres um fardo para o qual vários conservadores não estão dispostos a mover um dedo para ajudar.
Também, não deveria ser difícil entender o porquê de Jesus ter falado que era através do amor uns aos outros que seríamos reconhecidos como discípulos dele, e não pelo seguimento de normas escritas, bem como não deveria ser difícil perceber que a condenação de Jesus se deu por questões políticas e por ele ter ido contra as normas escritas do seu povo.

Dessa forma, a luta do movimento conservador para se conservar o Cristianismo, curiosamente, passa por um abrir mão de um Conservadorismo ancorado em uma Religião do Livro, para viver as conseqüências de ser uma Religião da Palavra, o que implica em lutar pelas causas que Jesus lutou e imitar o exemplo de Jesus, como aquele que andava com os pecadores de seu tempo, nunca os condenando, mas abrindo espaço para que, mediante o encontro com ele, tivessem suas vidas libertas por meio do amor e do acolhimento. 

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