Sobre o silêncio e a saudade

Sobre o silêncio e a saudade

Há algum tempo, em uma cidade chamada Casbert, havia uma famíla que gostava de contar histórias para seus filhos. Havia 5 crianças na casa sendo 3 meninas e 2 meninos. Os pais sempre contavam histórias para eles na hora de dormir. Ora sobre guerreiros, ora sobre princesas e príncipes, ora sobre batalhas do seu povo, mas sempre havia uma história para contar antes de pegarem no sono.
Certa vez, uma das meninas pediu para que o pai lhes contassem uma história que falasse sobre saudades. O pai achou um pouco estranho esse pedido, mas como sempre atendia o pedido do dia, resolveu contar a história. E começou:
Era uma vez, em uma cidade muito distante, uma jovem que vivia na roça com sua mãe. Elas sobreviviam por meio de uma plantação de milho que o pai da jovem havia deixado de herança. Todos os dias, a jovem ia ao milharal para cuidar dos diversos pés de milho que existiam na plantação. No tempo de colheita, juntamente com os outros empregados, colhia o milho e depois ia vendê-los no centro da cidade. E assim era todo ano e dessa forma que viviam.
A jovem era bonita e estava sempre contente. Gostava de ajudar sua mãe e gostava de trabalhar no legado do pai.
Houve um dia, que chegou na cidade uma grande indústria e essa indústria resolveu comprar todos os campos da vizinhança para expandir seus negócios. Ofereceu uma boa quantia para a mãe da jovem que viu nessa proposta uma boa oportunidade para conseguirem uma casa melhor e uma vida mais tranquila, uma vez que poderia colocar parte do dinheiro na poupança e viveria da renda desse valor que, na época, representava muito dinheiro. A mãe, como dona da fazenda, aceitou a proposta. A jovem ficou em silêncio nessa hora sem expor o que pensava sobre a decisão de sua mãe e simplesmente aceitou a mundança. Dessa forma, e passado o prazo dado pela indústira, elas se mudaram. Foram para uma casa bem maior e com um pequeno quintal nos fundos.
A jovem, ao olhar a nova casa, ficou super feliz. Havia um quarto só para ela receber as amigas, conversar, podeia fechar a porta e ouvir sua música sem se preocupar em incomodar sua mãe como na antiga casa. Enfim, estava feliz. Foi quando foi aos fundos para ver o novo quintal. Ao ver o quintal, percebeu que não poderia mais plantar os milhos que plantava e que não os colheria mais. Nessa hora, sentiu saudade do grande milharal que tinha. Estava feliz pela casa, mas toda vez que olhava para os fundos, lembrava de seu antigo quintal e sentia saudades dos milhos.
Com o tempo, a saudade não diminuiu, simplesmente a jovem aprendeu a conviver com ela. Sabia que talvez nunca mais teria um milharal, mas a lembrança do que teve passou a ser algo sereno, algo apaziguador. Com o tempo, passou a não mais sentir tristeza por não ter o milharal, antes alegira por ter tido um e esse ter se tornado tão importante para ela. Se pudesse, com certeza faria o milharal novamente e somente esperava o momento em que talvez isso fosse possível. Enquanto o momento não vinha, se divertia com suas amigas, ouvia sua música, cantava suas canções.
E assim, todo dia tirava um tempo para olhar seu quintal. Chegou a plantar algumas espigas só para amenizar a saudade. Sabia que ela sempre estaria lá, que nunca a deixaria até o momento em que entrasse em um milharal novamente
Até que chegou um dia, em que visitou um amigo que não via há muito tempo. Para sua surpesa, ele tinha-se mudado para uma fazenda onde havia um milharal. Ao entrar no mesmo, a saudade passou. Encontrar novamente algo que lhe dava muita alegria, a fez emocionar-se. E todo ano passou a ir a casa do seu amigo, para brincar no milharal e lembrar daquilo que tanto amava.
E assim termina a história da jovem que tinha saudade do milharal.
A menia que pediu a história, após um tempo de silêncio, fala ao pai:
– que linda história pai. Para mim, só sentíamos saudades de pessoas.
– Não é verdade minha filha. Sentimos saudade daquilo que nos é importante.
– Mas por que a jovem ficou em silêncio se amava tanto o milharal? Ela não deveria ter falado?
– Eu também acho minha filha. Sabe, muitas vezes optamos pelo silêncio porque achamos que ele é o melhor naquela hora.
– Mas eu acho que a menina não amava tanto o milharal assim. Se amasse, não teria sido tão apática
– Não pense assim minha filha. Muitas vezes nossos silêncios não revelam indiferença ou apatia, mas simplesmente algo que nos é tão valoroso, que não conseguimos expressar em palavras. Às vezes, precisamos de pessoas que lêem nosso silêncio e interprete o que queremos dizer sem palavras.
– Nunca pensei assim pai.
– Eu sei minha filha. Pense nisso então. Alguma outra pergunta que queira fazer sobre a história?
– Só mais uma. Por que mesmo depois de encontrar o milharal do amigo dela, ela continuou sentindo saudade do antigo?
– Filha, saudade, na verdade, é a presença da ausência. A saudade dela acaba ao ver o milharal do amigo mas volta ao não vê-lo no seu quintal. Nisso está a saudade da menina. O fato de olhar para o quintal e saber que o milharal não está lá. E assim, a ausência está sempre presente. Penso que assim também acontece com as pessoas. A saudade que sentimos, da mesma forma que a jovem da história, é por não estarmos juntos daqueles que nos são importantes. Por isso que gostamos tanto de rever aqueles que não vemos há algum tempo. Há os que estamos sempre com saudades deles, há os que sentimos saudades depois de muito tempo. Mas se há a saudade é porque são importantes para nós. Mas nunca pense que a constância da saudade seja indicador de importância. Mesmo aqueles que demoramos mais para sentir saudades, também tem a mesma importância.
-Então é por isso que de vez em quando sinto saudades de você papai.
-Eu sei que não é todo dia minha filha, mas sei o quanto vc me tem como alguém importante. Quero que saiba que sinto saudades de você todo dia.
-Eu sei papai. Boa noite e obrigado pela história.

– Boa noite querida.

Fabrício Veliq
29.01.2010 11:10

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